Revista Contigo, 56 (1971)

Estou exausto! — confessou Wanderley Cardoso, desafivelando o cinto de segurança e se espichando na cadeira, para restabelecer a circulação.

0 Caravelle voava agora por sôbre o Vale do Paraíba. Lá embaixo, as cidades iam surgindo, umas após as outras, às margens do rio. Wanderley, ao meu lado, cruzara as mãos e cerrara os olhos, disposto a um cochilo. Êle merecia: nas últimas 24 horas, estivera envolvido numa verdadeira maratona. Dois dias antes, saíra de Sao Paulo para fazer seu programa numa emissora carioca. Logo em seguida, retornou a São Faulo, no último vôo. Uma série de compromissos o aguardava. Do aeroporto, êle saíra para a sede de um clube, onde participou de um espetáculo. Foi dormir ás três hora da manhã, depois de examinar, com seu empresário e amigo Genival Melo uma relação de convites para shows. Ofertas, as mais diversas, vinham dos mais diferentes pontos do país: Manaus. Pôrto Velho, Belo Horizonte, Salvador, Feira de Santana, Uberaba, Ribeirão Prêto, cartas de dezenas e dezenas de cidades.
As sete horas, êle estava de pé, para viajar outra vez, agora rumo a Recife, uma das cidades onde mais gosta de atuar.

Renato Aragão é um de seus melhores amigos. Quando está em casa, é com êle que gosta de jogar futebol. Muita gente diz que, no fundo, Wan-
derley Cardoso é um garôto bastante apaixonado pelas coisas simples.

Êle viaja demais

Possivelmente não há, em tôda a América do Sul, outro artista que tenha viajado tanto quanto Wanderley Cardoso.

"Nos últimos dois anos, tenho estado mais a bordo de aviões do que em minha casa"  êle me disse, momentos antes de embacarmos, quando, encontrando-o casualmente no aeroporto, verificamos que seríamos companheiros de viajem. Êle então me parecera um pouco pálido, mas não perdera a sua vivacidade. Parecia um menino de 16 ou 17 anos, com a sua camisa verde, suas calças justas de brim alonado, suas botas, o cabelo despenteado, o sorriso fácil. A cada momento alguém se acercava para lhe pedir autógrafos. O pessoal do aeroporto o tratava como um velho amigo, vinha espontâneamente lhe trazer informações sôbre o tempo, horários e até sôbre a tripulação do seu vôo.

 Não estou dormindo! - disse Wanderlei, descruzando as mãos, como a se desculpar.

Mas já estavamos sôbre a Guanabara.

Êle havia realmente tirado uma bela coneca de trinta minutos. Olhou pela janela e, ao perceber que nos preparávamos para aterrisar, mostrou uma cara de espanto e deu uma gostosa gargalhada:

 "Ué! Que foi que houve?"

Minha mãe é uma heroína

No aeroporto do Galeão, enquanto aguardávamos a chamada dos alto-falantes, Wnaderlei espichado num banco, em total relaxamento, me dizia:

 "Cheguei num ponto em que nãi sei mais se isto é ou não é agradável. Já viajei milhares e milhares de quilômetros, já passei milhares de horas lá em cima. Você me disse que pareço cansado. não é um cansaço consciente, entendeu? Eu me abituei a esta vida e agora já não sei o que é bom, ou o que deixa de ser".

 Mas você deve ter um objetivo - disse eu.

- Olhe, eu diria dois: primeiro, acho que é meio chato a gente desapontar uma menininha que quer me ver de perto e mora, vamos dizer, lá nos confins do Amazonas; segundo, a gente junta o útil ao agradável. minha mãe é minha heroína, lutou muito por mim e pelos meus irmãos, quando éramos criança. Agora, eu luto por ela. Acho que isso é o que me move.

 Então, você nunca vai parar?

 Claro que vou. Um dia tenho de parar, para satisfazer um velho desejo meu...

 Um rancho, vara de pescar... Coisas assim?

Wanderley sorri, acomoda-se no banco.

 Nada disso: quero terminar meus estudos. Você sabe, já tive muita vontade de estudar medicina, mas desisti porque deve ser horrivel.

 É uma bela profissão, - emendei.

 Eu sei disso. Quando digo que deve ser horrível é pensando... Bem, você sabe, a medicina tem limitações. Acho que um médico tem seus momentos de glória, quando salva uma vida. Mas há o reverso da medalha. Presumo que, se eu fôsse médico e alguém viesse me procurar com uma doença incurável... Entende? Seria uma frustação tremenda. Foi pensando que me tornei ainda mais religioso. A vida espiritual oferece o único conforto possível para casos assim.

O grande desejo da mãe de Wandeco é que êle pudesse ficar mais tempo ao seu lado. Wanderley também gostaria de viver em casa, como gosta de receber a visita de uma menina paralítica, sua fã número um.

Ele ainda é uma crianga


Os alto-falantes comegam a chamar os passageiros. Wanderley levanta-se lentamente, mostra-me a ficha côr-de-abóbora:
“Jerimum” — diz, com um sorriso. E se encaminha para o portão de embarque.
Parece uma crianga.
Dias depois, na varanda de sua casa, em uma de suas raras paradas em São Paulo, êle se mostrava outro. Renato Aragão, com quem atuara durante tanto tempo, o convidava para jogar bola no quintal.
Os dois gritavam, animados, e quando a bola caía num terreno baldio, adiante do muro, metiam-se pelo mato, para procura-la. Sairam dali suados, para tornar um célice de vinho do Porto e atender a uma menina paraplégica que insistia em ver Wanderley. 

 

— Mas claro! — êle berrou, la da cozinha. E minha amiga, mande-a entrar!
Na sala, enquanto Wanderley procurava uma camisa para vestir, a menina, muito inteligente, falava comigo. Podia ter uns doze anos, mas mostrava uma vivacidade mental fora do comum.

 

— Conheci Wanderley num avião — contou. Eu sou fã de Roberto Carlos, êle sentou-se ao meu lado. Agora sou fã de Wanderley também. Eu pensava que file era vazio, entende? Mas, depois de conversar com êle, achei-o encantador. Foi êle que me convidou a aparecer aqui em sua casa, para conhecer sua mãe.
Quando a menina saiu, Wanderley, sentado no sofa da sala, explicava:

 

— “Ha muito tempo não me sinto tão bem. Hoje dormi oito horas. Parece que tirei dez anos de cima de minhas costas.
Puxa! Como seria gostoso se eu pudesse ficar mais tempo em casa!”
Renato Aragão, ao seu lado. tem uma filosofia toda nordestina:

 

— “Pois fica rapaz!” E toma o último gole do seu vinho do Porto.

 

Um novo Wanderley

 

Estão aí todos os fatôres que tranformaram Wanderley Cardoso. Recentemente, êle assinou contrato com a TV Record e isto significa uma parada naquelas correrias, mais tempo em São Paulo, onde mora, sonos tranqüilos em sua propria cama, em vez' de em poltronas de aviao.

Êle trabalhou muito para chegar onde está


O nôvo Wanderley Cardoso é mais alegre e mais tranqüilo. Juntou o seu pé de meia, empregou dinheiro em atividades produtivas, vendeu seus inúteis carrões (davam-lhe uma despesa incalculável, embora permanecendo na garagem). O cansaço, as correrias, o bom senso, a vontade de se fixar, de estar junto de sua mãe e os conselhos de seus amigos Genival Melo e Renato Aragão levaram-no a mudar de vida. Aragão jé havia sido contratado pela TV Record de São Paulo, onde o ambiente de trabalho é elogiado por todos os artistas.
Wanderley tem, por outro lado, a oportunidade de aparecer no Brasil inteiro, através de programas de grande audiência, em video-tapes. E, agora, pode terminar seu curso de Economia tranqüilamente (êle é contador).


Dividido entre Rio e São Paulo

— Saudades eu tenho daquela vidinha agitada — êle diz. Por isso mesmo, de vez em quando pego um avião, saio por aí. Naturalmente, acabaram-se as longas excursões os shows que Genival chamava de pinga-fogo: freqüentemente, em três dias eu fazia oito espetáculos em cidades diferentes e ainda tinha de comparecer ao meu programa de rádio, aos shows de televisão. Eu vivia com mêdo de falhar aos meus compromissos, esta é que é a verdade.
0 Rio de Janeiro agora divide WanderIey com São Paulo. E, o que é mais importante, êle agora sabe que sua renda mensal não caiu: pode, tranqüilamente, faturar nestas duas cidades. o mesmo que viajando. Tem um empresário considerado um dos mais organizados do Brasil: Genival Melo. Uma firma que trata de seus interêsses: a Wanderley Cardoso Promoções.
Dinheiro empregado em atividades lucrativas: uma fazenda de criação, titulos rendosos. Wanderley trabalhou quanto pôde, até conseguir chegar aonde esté. Hoje, pode tranqüilamente deixar até de cantar, porque encaminhou suas necessidades nesse sentido. Ele é, possivelmente, dentre os artistas brasileiros, os chamados grandes ídolos, o único que nunca esbanjou dinheiro em fanfarronadas.

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